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domingo, 5 de agosto de 2012

4 - O PLAYBOY


No vigésimo andar do edifício envidraçado da sede de uma petroleira, erguido próximo ao centro de Porto Alegre, numa tarde quente e de poucas nuvens. Três homens conversam ao redor da mesa de vidro oval:
-Isto é uma infâmia! Fala nervosamente o gordo e calvo, de terno caro que não consegue alinhar-se ao corpo mal cuidado.
-Pois é, essa é a última dele. Falou outro, em pé diante da mesma mesa e com as mãos no boldo de calça esporte de grife, feita por mãos de um exclusivo alfaiate estrangeiro.
-Como vamos equacionar esta questão? Balbuciou o mais velho deles, único deles cujo terno combinava elegantemente terno, gravata e camisa.
-Esse cara já está me irritando! Rosnou o gordo, já demonstrando inquietação nos movimentos desengonçados do corpanzil.
-Não podemos fazer nada. Ele detém quarenta e três por cento das ações com direito a voto além de outro tanto das preferenciais. Agradeçam ao pai dele por isso.
-Não contávamos com a morte prematura do Moacyr. Quem adivinharia que o vagabundo do filho dele ia pular para dentro do Conselho tão rápido? Falou o que permanecia em pé.
-Bem...senhores...do jeito que as coisas vão, a fusão não poderá se concretizar. O velho executivo correu o olhar para os outros dois que lhe também observavam.
-O C.A.D.E. já autorizou a negociação. O prazo está correndo. Se este “guri” fizer o que disse, vai tudo por água a baixo, inclusive o seu investimento...e sem o retorno prometido! Falou o gordo desalinhado apontando o dedo em riste para o velho no outro lado da mesa.
-Não precisa me lembrar disso. Entrei na sociedade e sabia dos riscos, mas não imaginava que uma tragédia com o Moacyr fosse mudar tudo. Agora é o herdeiro dele que está dando as cartas. Sabemos que é um playboy que vivia à custa do pai, esbanjando dinheiro com mulheres, carros e festas, que nunca se interessou pelas empresas. Eu, todavia, tenho uma solução.
Os outros se entreolharam com espanto, voltando-se com ar de curiosidade para o velho sentado.
-Isto. Tirou do bolso um cartão, com um holograma de uma serpente com um número de celular. O objeto deixou os dois sujeitos mais intrigados.
-O que é isso?
-Será a nossa salvação. Mas preciso que vocês concordem comigo. Não posso tomar esta decisão sozinho, apesar de que sou eu que corro mais riscos.
-Pode ser mais explicito-falou o gordo calvo.
-Se aprovarem, contatarei estes “caras” e “eles” darão conta do recado. Eu lhes garanto que são precisos e não deixam pistas. Fazem um serviço “limpo”.
-Do que você está falando? Perguntou o outro executivo de pé.
-Lembram-se do que aconteceu com o assassino do meu neto?
-Sim, lembramos disso-ressoaram em uníssono os dois únicos ouvintes da sala.
-Pois bem. Eu estava com um nó na garganta que só desatei quando “eles” me deram a prova do que são capazes. Até hoje ninguém, a não ser vocês presentes nesta sala, sabem o que aconteceu.
-Você está insinuando “apagar” o playboy? O gordo arregalou os olhos.
-Não. Não podemos fazer isso que daria muito na vista. Eu tenho em mente outra coisa.
-O que é então? Inquiriu o que estava de pé, apoiando as mãos na mesa e aproximando-se mais da borda da mesa.
O velho começou a calmamente a explanar as ideias que tinha em mente, com as quais os outros dois homems pareciam concordar.
Vinte dias depois, num pavilhão discreto localizado no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre.
-Levantei todos os dados necessários. Veja a foto do satélite. Aqui – aponta com o dedo indicador um ponto na tela de LED do monitor- está a casa-alvo e o local todo é cercado por grades, com cerca elétrica, sensores de movimento, além de vigilância ativa vinte e quatro horas, monitorada por “trocentas” câmeras de vigilância e inúmeros sensores de movimento, espalhados por todo a área baldia e campos de golf. Aqui do lado – muda a indicação na mesma tela – está um aeroporto exclusivo, onde os figurões estacionam seus brinquedinhos de fim de semana. Tem uma empresa que controla a entrada e saída de todos por lá. Ninguém circula sem o conhecimento deles. Há motoqueiros varrendo toda a área e aparecem ao menor sinal de movimento estranho. Ninguém entra se não for autorizado e acompanhado pela segurança.
-Como é que vamos entrar lá? Pergunta um rapaz de barba mal feita, sentado em cima de uma outra mesinha ao lado.
-O que é isso? Pergunta o homem de chapéu de feltro apontando para um risco na imagem.
-É um canal que liga os lagos artificiais com o rio Guaíba. Originalmente eles usariam o canal para práticas de esportes aquáticos ou coisa assim, mas foram proibidos. É usado mesmo para abastecer e manter o nível da água dos lagos, somente para isso. Lá, parece que não podem fazer nada nos lagos, nem nadar.
-Então está respondida a tua pergunta. O homem de chapéu de feltro olhou para o rapaz de barba mal feita.
-Como é? Retrucou ele ao do chapéu.
-Vamos entrar no condomínio pelo rio, através do canal.
-O nosso equipamento é para operação em terra. Além disso, a distância é de quase quatro quilômetros. Como vamos chegar até a casa?
-O nosso engenheiro aqui – olha para o que está defronte ao monitor- adaptará para uma draga, que deverá ser ancorada próxima à foz do canal. A draga não despertará suspeita, já que se misturará por pouco tempo às várias que estão trabalhando no local. Entramos no condomínio pelo canal, acessando de lago em lago a casa pelos fundos, já que é banhada por um dos lagos. Uma vez lá, procuraremos nosso alvo. Aí se inicia a segunda fase do “trabalho”. Algum pergunta?
Falou e dirigiu o olhar para os dois mais jovens, que concordaram com a estratégia.
Um mês depois, à beira de uma piscina descoberta e banhada pela luz da Lua e de um céu estreladíssimo.
-Cara isso é maneiro! Que “baia” é essa tua! – elogiou o musculoso de trancinhas rastafári.
-É isso aí “brother”. E tudo o mais é meu agora. Tô a fim de encomendar uma “parada” aí ó! -  discursa o tipo surfista, de cabelos loiros e encaracolados, com tatuagens espalhadas pelo corpo, sacudindo uma garrafa de uísque numa das mãos.
-Tá, é isso aí. Tô dentro! Correspondeu o outro com um leve soco de punho fechado no queixo do surfista, que entendeu como um gesto de carinho.
Enquanto os dois “boa-pinta” se distraem na piscina,  a “coisa” se aproxima da casa.
-Chegamos. Vou começar a procurar a entrada-explanou o “engenheiro” que manipulava uma alavanca cheia de botões parecida com “joystick” de vídeo-game, enquanto mirava a tela de monitor LCD com imagens em que visualizava um pier desativado nos fundos da residência majestosa e mais acima uma quadra de futebol sete, antes de alcançar a piscina descoberta da mansão.
-Procure com carinho. A entrada deve estar em algum canto por aqui. Assim que acharmos, dê o comando. Falou um outro jovem, de boné da Nike.
-Estou baixando para o numero um o projeto completo da casa. Falou um terceiro, com óculos fundo de garrafa e cara cheia de sardas, rasgada por um nariz protuberante.
-Ok! Pelo GPS já estou me localizando. Só espero que desta vez teus arquivos estejam corretos.  – aceitou o operador do joystick.
-Esta informação não depende só de mim. Retrucou o de óculos.
-Parem de discutir - cortou o de boné – vejam só o nosso “mané”! Falou olhando para uma imagem num outro monitor, que mostrava dois homens na piscina.
-Que romântico! Gracejou o operador do joystick-Sinal de que estamos dentro. Vamos deixar estes babacas para lá e começar a procura. Ativando os sensores de ultra-som e infra-vermelho.
-Ok! Concordaram os outros na sala mal iluminada pelos brilhos intermitentes de luzes piscantes vindas dos painéis cheios de botões. Um zumbido e motores começam a mostrar que dão vida a uma “coisa” que se move silenciosamente pelas entranhas da casa.
Quatro horas mais tarde.
-Operação concluída com sucesso. O celular vibra tons que forçam um sorrizo na boca do homem de chapéu de feltro, em outro ponto da cidade.
-Vocês foram perfeitos. Agora deixem comigo a finalização do nosso “trabalho”. O toque de “mestre””.
Disse e desligou sem esperar a resposta. Em passos lentos se dirigiu para um restaurante famoso pelos sabores chineses, onde um senhor muito distinto e de elevada reputação política o aguardava.
Uma semana depois, na mesma sala do mesmo edifício sede da petrolífera, onde tudo começou, copos com o espumante mais sofisticado que o dinheiro pode pagar, tilintam entre si.
Os convivas são só sorrisos e confraternizam:
-Aos negócios! Brinda o gordo, que a camisa quase se arrebenta tentando a abraçar a imensa cintura.
-Á felicidade de todos nós! Confraterniza outro, que não põe mais as mãos nos bolsos, somente balança a taça no ar em sinal de vitória alcançada.
-Como eu disse antes, “eles” não nos decepcionariam. Não teremos mais este obstáculo e poderemos levar a fusão adiante. “Eles” nem imaginam o quão somos gratos e devedores - sorri o velho, enquanto acaricia a taça numa mão e com a outra alisa a serpente do holograma no cartão.
Enquanto isso, na sala de interrogatório da policia federal:
-Eu já disse cara: eu não sei como é que o “bagulho” entrou lá! Não é meu! Alguém quer me prejudicar! Preciso falar com meu advogado!
-Tudo bem, tudo bem. O “bagulho” não é teu. Parou lá por mágica. Cocaína em forma líquida, cem por cento pura, diluída no teu aquário, bem no meio da tua sala, quem iria suspeitar? Cara, teu advogado vai ter muito trabalho.
Contrapôs o agente federal, envergando a coluna diante de um confuso playboy surfista.

Fim de mais este episódio.







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